No
dia em que voltei do hospital eu vim com uma sonda presa ao meu corpo. Todos os
dias eu tinha que esvaziar o conteúdo da sonda e medir a quantidade. Todos os
dias esvaziar a si mesmo e medir: quanto de mim ainda tem aqui.
No
dia em que retiraram a sonda eu desmaiei, não por dor, mas pela aflição da
retirada. Não havia mais o que medir, e isso era bom.
Neste
dia também retiraram o curativo que cobria o local onde antes havia meu seio
esquerdo. Eu não olhei. A ideia do que vamos ver é mais alarmante do que o que
existe. Minha falta de coragem só perdeu pra minha generosidade comigo mesma
então, acho que dois dias depois eu olhei no espelho. Ainda era eu. Fui tomar
banho e passei a espuma do sabonete na cicatriz, agradeci por ela estar ali,
toquei a marca, depois enxuguei, meu marido fez o curativo... um ritual que se
repetiu por uns dias. Como minha irmã caçula me disse a respeito de uma
cicatriz que ela tem na barriga: é graças a essa cicatriz que estou viva.
Eu
me acostumei com não ter esse seio, acredite, a gente se acostuma e agradece. Vou
fazer a reconstrução, mas não é isso o mais importante. O mais dramático foi a
retirada mesmo, algo que quando eu era menina esperei pra nascer, eu sabia:
quando eu tiver seios eu vou ser mocinha. Agora eu penso como é simbólico no
corpo feminino essa existência. Mas eu descobri que ser mulher é realmente uma
construção. E eu estou me refazendo agora.
Todas
as teorias sobre o que é ser mulher não dizem nada se você não se posicionar
diante de si mesma, e ter carinho por você. A gente tem que se amar profundamente
pra encontrar a resiliência necessária e recomeçar.
Gratidão.
Xicâ
G Lima
05/05/2019
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