"Com pedaços de mim eu monto um ser atônito."
Manoel de Barros

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Do diário de bordo no caminho da Cura! 3


No dia em que voltei do hospital eu vim com uma sonda presa ao meu corpo. Todos os dias eu tinha que esvaziar o conteúdo da sonda e medir a quantidade. Todos os dias esvaziar a si mesmo e medir: quanto de mim ainda tem aqui.
No dia em que retiraram a sonda eu desmaiei, não por dor, mas pela aflição da retirada. Não havia mais o que medir, e isso era bom.
Neste dia também retiraram o curativo que cobria o local onde antes havia meu seio esquerdo. Eu não olhei. A ideia do que vamos ver é mais alarmante do que o que existe. Minha falta de coragem só perdeu pra minha generosidade comigo mesma então, acho que dois dias depois eu olhei no espelho. Ainda era eu. Fui tomar banho e passei a espuma do sabonete na cicatriz, agradeci por ela estar ali, toquei a marca, depois enxuguei, meu marido fez o curativo... um ritual que se repetiu por uns dias. Como minha irmã caçula me disse a respeito de uma cicatriz que ela tem na barriga: é graças a essa cicatriz que estou viva.
Eu me acostumei com não ter esse seio, acredite, a gente se acostuma e agradece. Vou fazer a reconstrução, mas não é isso o mais importante. O mais dramático foi a retirada mesmo, algo que quando eu era menina esperei pra nascer, eu sabia: quando eu tiver seios eu vou ser mocinha. Agora eu penso como é simbólico no corpo feminino essa existência. Mas eu descobri que ser mulher é realmente uma construção. E eu estou me refazendo agora.
Todas as teorias sobre o que é ser mulher não dizem nada se você não se posicionar diante de si mesma, e ter carinho por você. A gente tem que se amar profundamente pra encontrar a resiliência necessária e recomeçar.
Gratidão.
Xicâ G Lima
05/05/2019

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