"Com pedaços de mim eu monto um ser atônito."
Manoel de Barros

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008


Reflexões

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha essas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil.
Em que espelho ficou perdida a minha face?

Cecília Meireles


Fotografias, papéis carregados de signos de uma família, olhares tantos, dos fotógrafos, dos fotografados, dos observadores, não vimos o tempo chegar e quando nos demos conta lá estavam gerações de um mesmo sonho, o de eternizarmo-nos através do outro. Tudo na casa pode ser reflexo da pessoa que a habita, mas este reflexo é a pessoa?
Nos retratos personagens diversos contam suas histórias, na busca da identidade ou mesmo, no registro da máscara que vestem momentaneamente.
Na história da fotografia o retrato traz aos olhos o ser como ele é, ainda assim, sabemos que a pessoa retratada não é aquela, ou seja, o papel é apenas uma "idéia" uma representação da cena em que a pessoa estava inserida em determinado espaço do tempo, ja que a pose é a fabricação instantânea de um outro corpo. Segundo o filósofo Vilem Flusser no livro Filosofia da Caixa Preta, "Fotografias são superfícies nas quais se realizam simbolicamente cenas".
Há uma alegria e ao mesmo tempo uma ansiedade no ritual de estar em frente a câmara que perpetuará nossa imagem para uma posteridade longinqua, onde nossa história poderá ser contada de acordo com o que outras pessoas vão ver no papel em que seremos impressos. Como se fosse possível captar algo além da carne que emprestamos ao espírito.
No centro da Sala um espelho convida o observador a fazer parte da realidade momentânea, mostrando a transitoriedade do retrato que em segundos não é mais o que era, ou talvez nunca tenha sido o que vemos. Ao mesmo tempo questiona, chama à reflexão. Diferente do papel, no espelho as imagens passeiam mas não se fixam, ainda segundo Vilem Flusser no livro Ficções Filosóficas: "O espelho é um ser em oposição, e é como tal que funciona.(...) É um ser que nega. É por isso que reflete. Não permite que aquilo que sobre ele incide passe por ele. Refletir é negar, e isso é sua estrutura."
Esta obra quer, através do ambiente de uma sala, discutir como a fotografia nos tras o sentido do "real" e que realidade é essa, e se o sujeito tal como o espelho é um ser em oposição por questionar, então o retrato seria o oposto do que vemos? Seria a fotografia uma invenção de nós mesmos, ou quem sabe a revelação do nosso verdadeiro eu.
Nos espelhos questões sugerem uma reflexão, e ao virar-mos o espelho o que há? Nada? Ai temos formulada uma questão, sobre o real e o supostamente real, e como atuamos passivamente em ralação as imagens que nos são reveladas todos os dias, mesmo aquela do espelho, onde somos sempre outro. E nesse jogo de ser ou não ser, também somos uma imagem de alguém que não somos que perecerá ao tempo, e que talvez, não venha a ser explicada.
No conto "O Espelho" de Guimarães Rosa ele cita: "Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo."