"Com pedaços de mim eu monto um ser atônito."
Manoel de Barros

domingo, 14 de agosto de 2011


Tenho lembranças de um tempo lúdico onde eu brincava de fazer panelinha de barro, nós comíamos trevos da sorte, brincávamos com tatu bola, o jardim da minha casa era o mundo.
Da terra de onde eu vim eu sei estórias e histórias, na verdade tudo é bem misturadinho feito um rubacão, o que já me dá um sabor de delícia nordestina.
Minha casa sempre teve os decibéis bem mais altos que a casa dos meus amigos, e não é só com a música, não. O falatório quando começa é uma disputa pra se fazer ouvir.
Um dia meu pai chegou em casa com uma vitrola gigante (literalmente), era um móvel de madeira que tinha que ser aberto para colocar o vinil dentro, primeiro a gente ouvia uma chiadeira depois seguia sempre um Luiz Gonzaga, um Genival Lacerda, e as risadas do meu pai, o café da minha mãe, e a gritaria de uma infância cheia de sonhos.
A casa tinha dois cômodos. Uma cozinha-sala e um quarto com a beliche, uma cama de casal e o guarda-roupas. Não era grande, mas recebíamos visita de vez em quando, lembro de um tio meu chegando de chapéu e com uma mala cheia de coisas gostosas que ele trazia de Serra Talhada, tinha manteiga de garrafa, mel, queijo, tudo feito na casa dele, e eu achava que ele era dono de algum lugar bem grande, imagina, ele tinha uma casa no sítio, devia ser de tapera, mas sempre trazia as riquezas que tirava de lá.
Eu achava engraçado esse tio Antônio. Ele acordava de madrugada e fumava um cigarro que ele também comia, e depois cuspia no canto do chão (disso eu tinha asco). Ele cheirava a tabaco, é um cheiro bom que eu trago comigo.
Houve uma época de vacas muito magras em casa, lembro do meu pai fazendo nossa refeição que constava de: água, sal, e algumas cebolas que ele cortava e deixava cozinhar um pouco. Se meus olhos lembram desse tempo, querem logo desaguar, porque não há cebola no mundo que me cause mais lágrimas, que estas cebolas da minha infância.
Hoje eu lembrei de uma música com minha mãe, acho que era Genival Lacerda quem cantava, eu adorava cantar isso quando era pequena, a música é “A veia debaixo da cama”, pra mim é como uma cantiga de criança, porque eu cantava com minha irmã nas brincadeiras.
Por todas estas coisas e muitas outras, eu me tornei quem eu sou. O mundo pode ter o tamanho de um quintal para uma criança que, carrega dentro de si depois de grande todos os quintais do mundo.
Onde quer que eu vá, eu levo comigo minha parentada nordestina, o cheiro da terra de onde eu vim, levo as pastilhas do Véi Lixandre, uma cabra que corre num grande cômodo de sitio, levo ainda Genival, Gonzaga, manteiga de garrafa, meu pai e mãe, e uma enorme vontade de que tudo isso continue vivo em mim.
Um lindo dia dos pais a todos, e um grande chêro!

Xica Lima
14/08/2011