"Com pedaços de mim eu monto um ser atônito."
Manoel de Barros

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O sorriso de Maria




Todos achavam Maria uma mulher incrível, linda, sempre sorrindo. Funcionária pública há alguns anos, diga-se de passagem, bons anos. Uma filha, dois netos, um namorado que ela via todos os finais de semana há mais de dois anos. Quando Maria atravessava a rua as coisas flutuavam ao seu redor. O tempo parava para assistir a altivez daquela que era como muitos diziam: uma mulher forte, guerreira.
Dentro dela todas as perguntas do mundo. Nenhuma resposta. Ela sorria porque já tinha percebido que era mais bonita assim. Quando acordava Maria se organizava diante do espelho:  olhos, boca e cabelo... as vezes ela se cansava, só as vezes.
Houve um dia em que Maria chorou torrencialmente ao chegar em casa. Sozinha, ninguém soube. A vida era enormemente pesada em alguns dias. Algumas pessoas doíam-lhe a alma, mas ela sorria, a piedade ou a comiseração não lhe fariam melhor.
Maria sempre levava consigo uma garrafinha de água, dessas pintadas e que mantêm a água geladinha. Seu refresco tinha uma mistura de vodca e água. Ninguém sabia. Esse era seu delito favorito. Ela tinha outros. Quando via as mães indo a escola com seus filhos ela parava na calçada em frente para ver se alguém chorava, era como uma catarse observar as mulheres sem saber o que fazer diante do desespero infantil. Silenciosamente ela desejava que elas também sorrissem.
Quando a noite Maria se deitava, ela imaginava que seu chefe imediato amanheceria sem voz, e que por infelicidade não conseguiria gritar ou menosprezar os funcionários naquele dia, nem tomar um táxi, nem dizer o que sentia o infeliz.
Mas ela não era má, era apenas Maria. Nunca foi santa, nem impura, sempre havia sido apenas ela. Com o tempo as pessoas foram dando-lhe um status que não lhe cabia, mas ela apenas sorriu.
Maria era realmente uma mulher incrível. No meio de todas as suas solidões ela achava a graça das coisas. Era no quintal de casa que ela vivia profundamente o seu ócio estético precioso. Cuidava do jardim, plantava coisas, em dias de sol tirava toda a roupa e deitava no meio dos cachorros e das plantas, e ficava assim, sentindo o abraço do tudo que se manifestava no calor que emanava do seu corpo. Ela era a própria divindade no jardim, e sorria.
Maria.

Xicâ G Lima
10/12/2018